Avaliação de mandato parlamentar feminino e negro traz reflexões sobre a democracia brasileira
- publicabcp
- 19 de mai.
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O artigo “Ocupação feminina e negra do parlamento: um estudo de caso”, assinado por Leticia Godinho de Souza, Ana Paula Salej Gomes, José Vitor Costa Cruz e Mariana Saraiva Duarte Santos, todos vinculados à Fundação João Pinheiro (FJP), examina o mandato da deputada estadual Andréia de Jesus (PT-MG). O estudo busca avaliar o quanto esse mandato foi efetivo como instrumento de representação de grupos historicamente marginalizados.
Publicado na edição 44 da Revista Brasileira de Ciência Política, o estudo parte da constatação de que a presença de mulheres negras no parlamento brasileiro ainda é extremamente limitada, e propõe um modelo de análise que leva em conta as dimensões descritiva, substantiva e simbólica da representação política.
A pesquisa mobiliza um conjunto diversificado de fontes e métodos: análise documental de propostas legislativas, dados de desempenho parlamentar, entrevistas em profundidade com membros do gabinete e movimentos sociais, grupos focais com organizações parceiras e um survey aplicado a eleitores e apoiadores.
A avaliação foi organizada em quatro dimensões: i) representatividade simbólica e descritiva, ii) atividade parlamentar, iii) gestão do gabinete e iv) representatividade substantiva. Essa abordagem busca superar modelos tradicionais centrados apenas em produtividade legislativa, propondo um olhar voltado à qualidade democrática do mandato e à sua capacidade de incorporar vozes historicamente excluídas.
Andréia de Jesus é uma mulher negra, periférica, advogada popular e ex-trabalhadora doméstica, com trajetória construída junto a movimentos sociais em Minas Gerais. Eleita deputada estadual em 2018 pelo Partido dos Trabalhadores, ela assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e pautou seu mandato em temas como combate ao racismo, justiça criminal, direitos das mulheres, povos tradicionais e acesso à cidade.
A atuação parlamentar foi marcada pela articulação de estratégias participativas inovadoras, como as “Emendas com a Gente”, que democratizam o uso de emendas parlamentares, os “Grupos Fortalecedores”, voltados ao diálogo com movimentos sociais, e o laboratório de políticas públicas “LabPops”. Essas iniciativas contribuíram para aproximar o mandato da sociedade civil e ampliar os canais de escuta e deliberação coletiva.
Os resultados indicam que, mesmo enfrentando restrições orçamentárias, obstáculos institucionais e episódios de violência política de gênero e raça, o mandato de Andréia de Jesus alcançou reconhecimento significativo em todas as dimensões avaliadas. A deputada conseguiu aprovar propostas legislativas, ocupar espaços estratégicos na Assembleia Legislativa e manter articulação constante com organizações da sociedade civil.
O estudo destaca que a atuação do mandato ampliou a presença de pautas historicamente negligenciadas no debate público, fortalecendo a representação substantiva de mulheres negras e de outros grupos marginalizados. As entrevistas e o survey evidenciaram que a identidade social da parlamentar não só contribuiu para a legitimação simbólica de sua atuação, como também orientou decisões práticas e prioridades políticas.
Ao propor um modelo avaliativo centrado na qualidade democrática da representação, o estudo contribui para ampliar os parâmetros com os quais se analisa o desempenho parlamentar, especialmente de mandatos oriundos de trajetórias populares e de grupos sub-representados. A pesquisa reforça que a ocupação institucional por mulheres negras não apenas simboliza inclusão, mas produz efeitos concretos sobre a agenda política e os modos de fazer política. Além disso, alerta para os riscos trazidos pela violência política de gênero e raça, que afeta diretamente a permanência e o bem-estar de parlamentares como Andréia de Jesus.
A análise oferecida pelas autoras aponta caminhos para que futuros estudos aprofundem a relação entre representação e participação na construção de uma democracia mais plural e responsiva.
Perfil dos Autores
Leticia Godinho de Souza é pesquisadora, docente e coordenadora do Programa de Mestrado em Administração Pública da Fundação João Pinheiro (FJP). Possui Mestrado (2005) e Doutorado (2011) em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, e Bacharelado em Direito pela mesma universidade (2002).
Ana Paula Salej Gomes é pesquisadora e docente da Fundação João Pinheiro (FJP). Doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013 e 2007), realizou estágio pós-doutoral na École Nacional d' Administration em Estrasburgo, na França, onde fez também mestrado profissional em Administração e Finanças Públicas, na Université de Strasbourg (2013/2014).
José Vitor Costa Cruz é graduando em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho (EG) da Fundação João Pinheiro (FJP). Estagiário do Núcleo de Inteligência e Governança de Dados (NIGD) da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica e Tecnológica da Fapemig. Atuação como estudante voluntário de iniciação científica no Grupo de Pesquisa Estado, Gênero e Diversidade (Egedi), sobretudo em pesquisas com temática LGBTQIA+.
Mariana Saraiva Duarte Santos é graduanda em Administração Pública na Fundação João Pinheiro. Pesquisadora com interesse nas áreas de Políticas Públicas, Gestão Pública, Gênero e Política.
FICHA TÉCNICA
Título: Ocupação feminina e negra do parlamento: um estudo de caso
Autores: Leticia Godinho de Souza, Ana Paula Salej Gomes, José Vitor Costa Cruz e Mariana Saraiva Duarte Santos
Ano de Publicação: 2025
Disponível em: Revista Brasileira de Ciência Política, v. 44